Ministro questiona a competência do STF, aponta cerceamento de defesa. O placar está em 2 a 1 /Foto: Victor Piemonte/STF
No julgamento da chamada “trama golpista”, o voto divergente do ministro Luiz Fux, o terceiro a votar, não foi apenas uma discordância pontual, foi um recado sobre os limites do Supremo Tribunal Federal e a forma como a Corte conduz processos de altíssima carga política. Fux abriu uma divergência ampla. Para ele, o STF não deveria sequer julgar o caso, já que nenhum dos réus possuía foro por prerrogativa de função. O ministro enxergou uma afronta ao princípio do juiz natural e defendeu que a ação deveria ter tramitado na primeira instância. Se prevalecesse sua posição, todos os atos já praticados seriam anulados.
Inocência de Bolsonaro
Mas a divergência não parou por aí. Ao analisar as imputações, Fux inocentou Jair Bolsonaro da acusação de integrar organização criminosa. Segundo ele, o que houve foi apenas um concurso de agentes, uma cooperação episódica, sem os elementos de permanência, estrutura e hierarquia que a lei exige para caracterizar crime organizado. Uma leitura que confronta diretamente a narrativa do relator Alexandre de Moraes, para quem havia uma engrenagem golpista bem articulada.
“Tsunami” de documentos
Outro ponto sensível: o ministro considerou que a defesa foi prejudicada pelo “tsunami” de documentos que inundou os autos. Moraes viu normalidade, Fux enxergou cerceamento de defesa. Esse contraste expõe duas visões de Justiça. De um lado, Moraes sustenta a atuação ativa do magistrado na busca da “verdade material”; de outro, Fux resgata a concepção de que o juiz deve condenar apenas com certeza plena e absolver sempre que houver dúvida razoável.
Delação de Mauro Cid
Segundo Fux, houve, sim, convergência quanto à validade da delação premiada de Mauro Cid, mas isso não apaga a essência do voto divergente: Fux abriu espaço para a absolvição de Bolsonaro em uma das acusações mais graves e plantou dúvidas sobre a própria condução do processo.
Voto demorado
O voto de Fux foi extremamente demorado, consumindo grande parte da sessão, com cerca de 13 horas de duração. Diante disso, o julgamento foi será retomado nesta quinta-feira, às 14 horas, com a expectativa do voto da ministra Cármen Lúcia. No fundo, a divergência não impacta apenas a sorte dos acusados. Ela recoloca em pauta a discussão sobre os limites do Supremo, o risco da politização da Justiça e até que ponto o combate a ameaças autoritárias pode, paradoxalmente, gerar excessos institucionais.